domingo, 20 de maio de 2007

De romper o silêncio e o espaço em palavras



“Lá se vão uns dez anos em que não escrevo nada”. A frase é perfeitamente aceitável e todos me compreendem. Porém, há uma questão. Aliás, duas: uma social e outra moral. Moralmente a frase é muito ruim. Leia em voz alta e o sentido é outro. Novas palavras aparecem e umas delas é “lassivão”, uma grande lascívia (!). Vamos, então, à questão social. Mas, antes, eu creio que você deve estar se perguntando: “Por que Elton escreveu isto?”. E assim sou levado à outra pergunta: “Por que eu tenho de dizer, de romper a barreira do silêncio? De tirar algo que está em mim e dizê-lo ao(s) outro(s)”.

Sim, eu tenho quase dez sem rascunhar uma palavra além aquelas da graduação, pós-graduação et cetera. Mas o que lhe importa e por que eu tenho de lhe dizer isto? O que me obriga fazê-lo? A reposta é simples: nada. A não ser a necessidade. A sabedoria popular diz que temos duas orelhas e uma única boca para ouvirmos mais e não falarmos tanto. Outro ditado diz que “quem conversa demais dá bom dia ao cavalo”. O silêncio é precioso e a palavra exagerada nociva. Essa foi uma das primeiras conclusões a que cheguei ao pensar em escrever para o CATINGUEIROS. Pois, embora eu tenha aceitado de pronto o convite, pensei: há necessidade disso?

Hoje minha resposta é sim, há mesmo! E não porque estamos em busca de platéia, de um eco para as facilidades próprias ou para não nos acharmos tão sozinhos no mundo. E há também outra coisa, nesse mundo marcado pelo excesso, os “mais” se tornam os “menos”; logo a fruição, o prazer e outras mumunhas mais que se escrevem por aí são desmedidas porque revelam uma equação horrível: quanto menos, mais, e, quanto mais, menos. Assim: quanto menos se vive, mais se escreve, ou dito de outra maneira: quanto menos se vive mais se tem coisas a fazer. O amigo Johnny costuma dizer que nada é mais cansativo que descansar. Além disso, a vida, tão gloriosa, se tornou um texto sobre outros tantos muito chato!

Voltemos para o início – vou limitar-me a isso. No início eu disse que a minha palavra era perfeitamente aceitável e compreensível. Depois, eu perguntei se havia razão de dizer. E ao fazer esse percurso, chego àquela noção de Paulo: todas as coisas são lícitas, mas nem tudo convém. É legítimo, portanto, o que há de suceder a partir deste momento aqui neste BLOG, pois é pertinente. Desse modo, meus bons amigos, não irei mais rejeitar as palavras.

Embora ao acaso, isso me faz lembrar um admirável mestre dos tempos da faculdade, quando não líamos os textos nem fazíamos os exercícios, ele não nos deixava pronunciar uma única palavra sequer. E completava: “aqui não se aceita intervenção de ignorantes”. Ou seja, daqueles que sabem e fazem pouco ou deixam para depois depois...

Poderíamos ter começado a empreita bem antes. Mas não lamento o não­-acontecido nem mesmo o tempo de antes de hoje. Mas fica a lição. “Nem todos os anos que passam se vivem: uma coisa é contar os anos, outra é vivê-los”, disse o Padre Vieira, mas poderíamos dizer: uma coisa é contar lamúrias, outra é viver. “Age quod agis”. Assim como assim, havemos de fazer bem isto daqui também, grande abraço.

Elton

4 comentários:

Elton Quadros disse...

Becker,

Acho que os textos que já apareceram ( e o seu entre eles, é claro) já dão bem a medida do que poderá ser este blog.

O negócio é tirar este tempo de estudo e vida que temos acumulado e compartilhar um pouco com os outros (e com nós mesmos). Estou cansado de ficar ouvindo só opiniões do senso comum ou do "sensus academicus"!

Parabéns e "vamos de mãos dadas"!

Abraços deste malungo

Anônimo disse...

Elton, parabéns pelo texto. O silêncio de quem pode e sabe falar é um pecado. Espero continuar a ouvi-lo, sempre.

Anônimo disse...

Meus bons amigos e outros,

Obrigado pelas observações honrosas. Vamos, sim, juntos, de mãos dadas e com alguma arte poética - a ciência das condutas criadoras.

Anônimo disse...

Seria um crime: o termo é forte, mas o sentido ainda não alcança a extensão daquilo que o verbo deseja projetar. Seria um crime. Sim, um crime, figuras do calibre intelectual, portadores de uma vivência humana tão repleta de vida, não propiciar a nossotros a possibilidade de contemplar vossas sapiências...
A mim me parece que sorvi alguns goles de novas belezas depois das leituras prazenteiras que tenho feito. E também indago, ao próprio Elton: por que não pronunciar-me? Bite me disse dez anos trás que “todo escritor dá valia naquilo que escreve: se mostra, é por vaidade; se não mostra, também”. Ó, paí, ó!!