segunda-feira, 4 de junho de 2007

Elomar Figueira Mello: Concerto Lá na Casa dos Carneiros

De todos os atributos de Elomar Figueira Mello, talvez o mais pertinente seja o de “menestrel”, do latim tardio, ministerialis, que significa músico, “cantador de trovas e martelo, de gabinete, ligeira e moirão”; cantor “de fé e firmeza”, a serviço de um rei, “intregui nas Guarda de Deus”, “Pois sem Ele a idea é pensa pro cantá/ e pru tocá é mensá mão”. Menestrel também nos lembra ministro e ministério, de fato, as canções de Elomar buscam escapar às vicissitudes da história, enquanto sejam elas oferecidas à glória de Deus e à edificação de seu povo. É por isso, que na Casa dos Carneiros, os violeiros cantam louvando...

E foi daqui, da Casa dos Carneiros, que Elomar surgiu. A música que se ouve dessa nave admirável, de proporções tão simples quanto perfeitas, abriga as mesmas proporções que aquelas utilizadas pela arquitetura, aliás, as mesmas que regem o universo. E assim como a harmonia governa a beleza do céu, ela governa a música e se encontra numa relação de concordância com o universo e com o homem — mas o homem do sertão profundo, daí porque o uso da linguagem dialetal sertaneza.

Pois haveria melhor forma de exprimir o que se deu lá no “Sete Istrêlo” com “Dassanta a Fulô/ filha de um tal cantadô/ Anjos Alvo Sinhorin”, “bunita qui inté fazia medo”? Existiria outro meio de cantar o “turuna pachola” e sua função de “arrilia”? “Aqui, a palavra reencontra sua verdadeira vocação, a de dizer”, como lembram Ernani e Adelina. Talvez mais que isso porque a palavra em Elomar torna-se cantante e apaixonada, uma fantasia poética.

Mas essa palavra é verdade. Ouça-se, por exemplo, a Fantasia Leiga Para Um Rio Seco, a narrativa da Seca do Noventinha que assolou o sertão no fim do século XIX. A obra, emoldurada pela Sinfônica da Bahia, ainda contou com a orquestração e a regência do saudoso maestro Lindenbergue Cardoso. Pelo refinamento do seu motivo e pela riqueza da sua melodia, por seu poder de invenção e por seu refinamento, a Fantasia possui um raro detalhe: ela faz surgir em Elomar uma nova cultura orquestral de grandes dimensões.

[Canta Lucas d’Oro, “O Peão Engaiolado”]

Exposição “Brasil de Portinari”

Batidos dos sois bravios... fugindo à desolação e à miséria... muita gente viu aí, pelas horas mortas, tripúdios tetérrimos de esqueletos à luz de fogos-fátuos, cadenciados por uivos de cães e pios de noitibós... no ano passado muito rasto e pouco pasto, hoje muito pasto e pouco rasto... e por cima de tudo isto, a fome... pru vai-num-torna vamo ritirano a abadonano as pátra do sertão...

O sertão profundo que se reconhece no canto e no violão de Elomar, mesma aceitação que se dá ao contemplar o “Brasil de Portinari”. Diante de seus matizes, podemos dizer, como Guilherme Figueiredo, “assim somos”. E poderíamos dizer muitas outras coisas sobre o pintor de Brodowski, porém, é mais pertinente lembrar o que Cândido Portinari diz de CÂNDIDO PORTINARI:

“Vim da terra vermelha e do cafezal.

As almas penadas, os brejos e as matas virgens

Acompanham-me como o espantalho,

Que é o meu auto-retrato.

Todas as coisas frágeis e pobres

Se parecem comigo”.

[ Abertura da Exposição: João Cândido Portinari, presidente do Projeto Portinari]

[Este texto foi escrito para ser lido durante o concerto “Lá na Casa dos Carneiros”, por ocasião do lançamento da Fundação Casa dos Carneiros e da exposição “Brasil de Portinari”. Porém, ele não tem autoria, talvez tenha autores, porque que é texto de outros textos, é um intertexto que se imprimiu como um efeito de obra, isto é, como uma laguna, regato ou cacimba, de sabe-se de que mar e sabe-se de que rio. Poder-se-ia dizer que este texto é uma voz de alhures, ela vem lá de onde ninguém fala, do lugar em que todos os cantos têm arte e toda ela é cantada, finalmente, ela veio na madrugada das fórmulas poéticas.]

3 comentários:

Anônimo disse...

Sem dúvida o que mais chama em Elomar é sua linguagem dialetal, seu jeito sertanejo de ser e sempre a buscar por suas raízes.
Em um país onde o povo parece que esqueceu suas origens, seu passado sofrido, Elomar tem sempre buscado suas origens sertanejas.
Sua singularidade realmente chama atenção!

Adorei o blog, Bite!
Beijão
=*

Seu Ribeiro disse...

O QUE NOS RESTA

Em uma visita que fiz a Elomar em sua fazenda na gameleira, fiquei só, ao cair da noite, recostado a uma das pilastras que sustenta a antiga varanda da Casa dos Carneiros ponderando sobre as muitas palavras trocadas durante o dia com o mestre. Enquanto o mestre descansava de mais um dia sob o sol escaldante da caatinga chiqueirando seu rebanho de bodes, eu, “tirando uma de pastor de ovelhas”, cantava para uma brilhante desgarrada, acompanhado de outros errantes grilos cantadores que cricrilavam no terreiro, uma singela cantiga, fragmento da obra O Retirante, que o menestrel baiano acabara de compor e que dizia assim:

“Mãe das criancinhas,
Irirmã dos desvalidos
Que não tem ninguém,
Por eles velai.

Oh, lua nova,
Cantai uma loa mais bonita para ela
Uma loa nova, para ela.”


Elomar é assim: um galho seco como a Vara de Arão que pela graça divina tem o dom de florescer. A fundação Casa dos Carneiros já nasce gloriosa, abrigando em sua sala maior obras de outro poeta que, tal qual Elomar, soube externar o sentimento de seu povo. A nós, amantes das belas artes e expressões culturais genuinamente brasileiras, restam os convincentes aplausos daqueles que tiveram a oportunidade de presenciar um verdadeiro e fascinante espetáculo no transcendente palco da vida.

Parabéns cavalheiro Elton Becker, seu texto está lindo e fiel.

Receba meus cumprimentos.

Seu Ribeiro,
de um campo de paz na imencidão dos gerais.

Unknown disse...

Que texto lindo!!!!
Emocionante...
Parabéns!!!
Luiza Meira